A Comissão de Educação foi formada em 2006 e desde então vem consolidando uma parceria produtiva entre equipe de direção e familiares do colégio. Iniciamos realizando fóruns sobre o Projeto Pedagógico, e a partir de 2008 implementamos o ciclo de palestras Encontros: Educação, Ética e Cultura.

Recebemos profissionais de diversos campos de atuação e também os próprios educadores da escola, que dialogaram com o público contribuindo com reflexões sobre alguns temas sugeridos pelos pais: Perspectivas da juventude contemporânea, Formação de personalidades éticas, Tecnologias da comunicação e dilemas geracionais.


Em 2009, vamos dar continuidade aos trabalhos e, para tanto, a contribuição dos familiares é fundamental!

Comissão de Educação

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Sugestões, críticas e opiniões sobre os eventos

Neste espaço, Você pode sugerir temas, nomes de palestrantes, formato dos encontros, bem como enviar suas críticas e opiniões sobre os eventos já realizados. Além disso, você também pode colaborar com a preparação do evento.

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Perspectivas da Juventude Contemporânea em Debate

Adolescência:“É sempre mais difícil ancorar um navio no espaço”
Maria Rita Kehl

Hoje, as fronteiras entre adolescente e jovem estão borradas, pois há pessoas de 29, 30 anos que se acham adolescentes, ou pessoas de 40 que se acham jovens.
Há um poema de Ana Cristina César, intitulado Recuperação da Adolescência, e que a descreve e retrata precisamente: “É sempre mais difícil ancorar um navio no espaço”.

A adolescência, como esse momento mais de passagem, está bem retratada nessa frase: há algo descomunal nesse momento da vida, mas que não encontra ancoradouro, o que é muito periclitante. Mas o que seria assim tão grande? Há muita coisa, podemos dizer: ansiedade, rebeldia, mas isso não é tão difícil de segurar no espaço.

Esse algo descomunal seria o imaginário:

Há dois momentos da vida em que precisamos muito da imaginação. Uma é por volta dos 5 anos, ou de 3 a 6 anos de idade, a chamada entrada e saída no Complexo de Édipo, em que a criança precisa estar estabelecendo o seu lugar junto a pais, irmãozinhos, e em que fantasia loucamente: vira super-homem, princesa, monstro... Mas, nesse momento, a criança está ancorada. Não é um transatlântico no espaço. Por mais que a fantasia seja borbulhante, ela está muito bem situada entre pai e mãe, independente se estes são ou não casados. É para eles que dirige questões como: quem sou? Sou amada ou não? Sou aceita ou não? Vocês acreditam que sou a princesa, o super-herói que penso que sou? Ou seja, há um ancoradouro na criança.
Na adolescência, há uma mudança de endereçamento dessas questões, que passam então a ser dirigidas para o grupo de amigos, pois o importante é ser aceito pelo grupo, buscar uma identificação fora de casa, do grupo familiar. Essa passagem lembra a poesia: é aí que o navio fica um pouco ancorado no espaço! Não basta para o adolescente ser amado em casa, embora isso seja muito importante para que adquira segurança, necessária para ganhar o mundo.
E há também a questão da imagem corporal, que no adolescente muda em muito pouco tempo. E isso não é pouca coisa, pois a imagem corporal é a sede do eu. Às vezes, em um ano o adolescente deixa de se reconhecer em sua imagem corporal, e isso gera uma crise - ao contrário do que acontece com o corpo adulto que adquirimos, e que, a despeito do envelhecimento, vai ganhando estabilidade.

Em síntese: O adolescente se desesterritorializa e busca determinada tribo; porém, isso não é suficiente para a ancoragem, o que causa algumas desestabilidades. Isso porque, hoje, em nossa cultura, as referências para a passagem da vida familiar, privada, para a vida pública, que ocorre na adolescência, essas referências estão muito pulverizadas.

Breve retrospecto histórico

Houve um período, início do século XX, por exemplo, em que todo mundo tinha pressa de ser adulto, pois ser jovem não era nada, era visto como coisa de criancinha, ser dependente de pai e mãe. As referências eram também mais claras, pois as sociedades eram mais tradicionais – a religião, a autoridade, as tradições, o poder de estado. Hoje, ao contrário, nossa referência é o mercado, que é flutuante: Vivemos uma modernidade líquida, tudo escorre, tudo que é solido desmancha no ar, como antecipou Marx.

Já nos anos 70, quando a cultura ainda ecoava algo de tradições românticas do século XIX, a introspecção que marcava o período da adolescência tinha certo prestígio entre os jovens: estar triste, na fossa, perdido, convocava, imediatamente, uma inserção no grupo. Era bacana conversar sobre isso, cuidar de quem estava mal, em crise; isso mostrava crescimento, profundidade, resistência a um mundo podre que queriam nos impor.

Hoje, porém, a convocação social é completamente oposta: o adolescente, não por culpa dele, é o garoto mimado da publicidade e do mercado. Justamente nessa passagem, em que não depende mais de pai e mãe, as escolhas que pode fazer, algumas existenciais – o que vou ser da vida? - vão sendo cada vez mais traduzidas como escolhas de consumo – se é rebelde, usa um tipo de calça, bebe certa bebida ou compra determinado celular! Não quer dizer que todos sigam esse caminho, mas suas escolhas lhes são devolvidas como escolhas de consumo. O adolescente é espelhado em imagens – na publicidade, nas novelas, em certo cinema – em que vive em um estado de euforia, de festa, de animação. Mas isso não corresponde ao estado permanente de nenhuma pessoa normal, seja ou não adolescente. Tudo isso vai dificultando passar por algum momento de crise.

No que se refere à família, geralmente os pais sentem angústia quando seus filhos não saem para se divertir, têm a impressão de que estão desadaptados, de que há algo profundamente errado acontecendo, quando, na verdade, há, nesse período, uma necessidade normal de isolamento, que é estrutural. Antes, inclusive, a adolescência era denominada como idade do armário, e não causava tantas preocupações nos pais, que deixavam seus filhos permanecerem isolados em seus quartos, mal-humorados, sem intromissões: essa angústia dos pais diante de algo normal torna esse momento ainda mais difícil para o adolescente.

Também no que diz respeito aos rituais de passagem da juventude para a vida adulta, que já marcaram outros períodos da história, vivemos outra realidade. Embora eles ainda permaneçam em algumas sociedades e culturas, hoje, não temos rituais mais universalizantes; o que há são rituais de tribos, de guetos, como fumar maconha, beber. Lembra então trecho do filme Cidade de Deus, em que um personagem fala: já bebi, fumei, cheirei, matei, agora sou bicho homem. Felizmente, esse último item ainda não está entre os adolescentes que não são de risco, e espero que saia da lista daqueles que são.

Quanto aos grupos de referência, ao contrário de antes, em que essa crise estrutural era compartilhada entre os adolescentes, hoje, embora todos se sintam parecidos, não podem mostrar, pois não sentem entre seus amigos clima para desabafar, para buscar algum apoio. Assim, não sendo compartilhável, a crise perde lugar, se desesterritorializa. E o adolescente acaba encontrando um lugar que é um pouco dúbio: a internet.

O outro só é real quando está diante de mim

Sobre a internet, em especial as salas de bate-papo podemos observar que para os mais tímidos ou fechados, a internet passa a ser muitas vezes o único lugar de inserção, aceitação e sociabilidade. Porém, a falta de presença corporal, ou o puro texto, em que não se sabe se o que é escrito é ou não verdade, embora não deixe de ser um exercício de ficção, em que cada um é livre para criar seu personagem, pode levar a uma falta de responsabilidade pelo outro. Começam a ocorrer, então, fenômenos de segregação e crueldade parecidos com o que acontece na escola, na classe. Só que, na escola, a presença física garante alguma mediação, do professor, de colegas que protegem, intervêm para impedir práticas perversas. Na internet não tem mediador, não tem presença física, não tem grupo de amigos, não tem nada. Como exemplo, já há casos de adolescentes que foram induzidos ao suicídio por chats de apoio a suicidas, não para que não se suicidassem, e sim para ensiná-los como fazer.

Esse espaço virtual, com toda a riqueza que pode ter, de troca, não pode substituir o espaço da sociabilidade corporal.

Há contextos que não podem ser apenas virtuais, não podem prescindir do presencial: o ensino, pois depende de figura humana mais velha, com alguma sabedoria, não só de saber livresco, mas de convivência humana, que possa organizar aquele grupo social, fazer a energia circular de um jeito interessante e produtivo. A tela não faz ensino, pode apenas transmitir conteúdos, mas não promove formação. Também o sexo, a amizade, o amor têm de ser presenciais. Outro contexto seria o teatro. E, por fim, o exercício da paternidade/maternidade: a formação em casa dos seres humanos - não tem nem dúvida de que necessita ser presencial.

Em nome do quê os pais podem hoje educar seus filhos?

Hoje, o sentido da vida, o prestígio é dado pelo consumo. Mas o que faz a sociedade ser de consumo não é o consumo, pois a maioria das pessoas apenas consome para sua subsistência. O consumo organiza os valores e ideais, e por isso gera muita frustração, pois não é possível consumir tanto, e essa promessa de felicidade é um “fundo falso”.

E como essa questão aparece nas famílias, nas relações entre pais e filhos? Essa flutuação das referências faz com que o exercício da paternidade se fragilize muito. Mais até do pai do que da mãe, pois o laço com ela está mais assegurado. Mas e o pai, em nome do que pode hoje exercer sua autoridade, educar?
Para isso, ele depende dos significantes que organizam a cultura, que dizem o que é bom, mau, certo, errado, pois nenhum pai (e mãe também) se faz pai apenas por si mesmo. Hoje, porém, todos os significantes são para que as pessoas encontrem a felicidade – para que os filhos sejam felizes: esse acaba sendo o grande ideal das famílias.
Mas ser feliz em nome de quê? Em que mundo? A partir de quais valores, quais parâmetros?
Então, a sensação hoje entre adolescentes é de que o pai é fraco. No consultório, ouvimos muitas falas como essa: meu pai é fraco, não tive pai. Mas isso não tem a ver com aquele adulto que está dentro de casa; ele não é necessariamente fraco. A sua função é que está fragilizada, porque ele não tem em nome do que colocar limites no filho. Pois a nossa sociedade vive no imperativo do “no limits”. Sendo assim, como posso colocar limites no meu filho? Vou fazê-lo infeliz? Afinal, só ele vai ter limites e os outros não? E quando quero colocar, ele vai me contestar? Que moral eu tenho? Há pais que se entregam a esse besteirol, mas também aqueles que estão interessados seriamente em educar seus filhos e também ficam fragilizados.

Temos então, na adolescência, um transatlântico cada vez mais sem ancoradouro, por dificuldades produzidas pela cultura, independente do valor individual de cada pai, de cada mãe.